Gazeta do Povo – Bolsonaro tenta acelerar privatizações em resposta à “interferência” na Petrobras

Depois de causar turbulência no mercado financeiro ao mudar o comando da Petrobras, o governo correu para fazer um aceno aos investidores. O presidente Jair Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar a medida provisória que agiliza a privatização da Eletrobras e o projeto de lei que autoriza a venda dos Correios. As privatizações são uma tentativa do Planalto de sinalizar que o governo não retroagiu em sua agenda liberal na economia ao decidir mudar o comando da petroleira.

Os textos já eram aguardados, mas Bolsonaro foi aconselhado a enviá-los logo para reduzir os ruídos no mercado, que enxergou no episódio uma suposta interferência do presidente na Petrobras. “Nós queremos, sim, enxugar o Estado, diminuir o tamanho do mesmo, para que nossa economia possa dar a satisfação, dar a resposta que a sociedade precisa”, afirmou Bolsonaro em pronunciamento à imprensa. Ele prometeu que a agenda de privatizações seguirá a “todo vapor”, apesar de nenhuma estatal de controle direto ter sido vendida em quase 26 meses de governo.

A estratégia e as declarações surtiram algum efeito no mercado, principalmente sobre as cotações da Eletrobras na bolsa de valores brasileira, a B3. As ações preferenciais da companhia elétrica alcançaram na quarta-feira (24) o maior nível em 40 dias. Os papéis da Petrobras, por sua vez, emendaram dois dias de alta na terça (23) e quarta (24), mas voltaram a cair com força na quinta (25).

O envio dos textos foi lido pelo mercado como um sinal positivo, mas não chegou a apagar o ruído criado por Bolsonaro ao anunciar a troca de comando da Petrobras e nem afastou o temor de interferência política na estatal, segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo.

“Foi uma clara tentativa de mudar o foco, de tentar trazer agenda positiva, dado que o dedo do governo na Petrobras foi um balde de água fria na agenda liberal, que carregava forte expectativa de voltar em 2021 com reformas e privatizações”, afirma Vitor Noronha, CEO e Planejador Financeiro da K1 Capital Humano.

Ele explica que a sinalização foi importante para não piorar ainda mais as expectativas para este ano. “Se o governo não fizesse um movimento forte contra [a intervenção], poderíamos ter um cenário mais forte de degradação das expectativas pra esse ano. Foi uma sinalização importante, mas não dá para dizer que apagou o ruído. Teve saída expressiva de capital estrangeiro da Bolsa, dólar em alta. Provavelmente, esse cenário vai continuar até que as promessas [de privatização] se concretizem”, diz Noronha.

O sócio e head de renda variável da Monte Bravo Investimentos, Bruno Madruga, afirma que o mercado sempre espera algum tipo de intervenção nas estatais, já que historicamente isso acontece e o governo tem o poder, na condição de acionista controlador. Mas explica que o mercado cobra maior previsibilidade nas mudanças. A demissão de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras pegou os agentes financeiros de surpresa.

“Os anúncios deram um alívio, mas o ruído permanece no mercado, não tanto pela troca [na presidência da Petrobras], mas principalmente pela forma que ela foi feita. Da mesma forma que o presidente cobra previsibilidade nos preços, o mercado cobra previsibilidade em trocas de comando e mudança de rumos da empresa”, afirma Madruga.

O especialista também destaca que o governo está cedendo posições a determinados partidos para conseguir avançar com as privatizações, aumentando o sentimento de que a política do “toma-lá-da-cá” voltou. Porém, ele acredita que, ainda assim, alguma grande privatização deve sair neste governo, atraindo capital estrangeiro.

Noronha, por sua vez, avalia que a pauta de privatizações enfrentará muita dificuldade no Congresso e não descarta novas intervenções de Bolsonaro nas estatais. “Por mais que a pauta econômica do governo seja liberal, Bolsonaro é suscetível às pressões de popularidade. Ele pode tentar imputar na pauta de privatização algum controle de manutenção de emprego, por exemplo”, explica. “O clima ainda é de desconfiança. A sinalização foi boa, mas ainda é fraca, precisamos ver saindo do papel.”

Privatizações do governo caminharam lentamente nos últimos dois anos

O governo não vendeu nenhuma estatal de controle direto da União em dois anos de mandato. São 46 estatais. O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, prometeu, em entrevista à Gazeta do Povo, que a agenda andará neste ano e em 2022.

Ele disse que o governo conseguirá fazer as privatizações dos Correios, da Eletrobras e dos Portos de Santos e de Vitória, além do fechamento da Ceitec, que ficou conhecida como a “estatal do chip do boi”.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/governo-acelera-privatizacoes-apos-mudanca-na-petrobras/